Tão criticada.
Tão surpreendente.
Motivo de discórdia.
Fetiche.
Usada e abusada para o bem e para o mal.
Sou apaixonada por ela, que pode me devorar num só bocado.
Penso na roda, nas tecnologias egípcias ou astecas e seu caminho até a atualidade, todas as invenções incríveis que a humanidade vivenciou... Alto grau de complexidade lógica e matemática, de criação e inventividade! Os seres humanos são mesmo impressionantes!
A tecnologia sempre me encantou com seu frescor, tudo novo sempre e nem dá tempo de enjoar. A novidade é o máximo de prazer para almas aquarianas. Ao mesmo passo, sempre me deixou sem ar com sua desenfreada, frenética e constante corrida, que exclui a todos, até os mais antenados seres.
Como se não bastasse as questões acerca da garantia e manutenção do acesso à tecnologia, que sumariamente coloca a esmagadora maioria de gentes à margem do mundo, ainda temos que lidar com as loucuras que vivem conosco e por nossa vontade dentro dessa bolha em que os que têm acesso vivem, incluindo eu. Engraçado que em 1993, num festival de música na escola, eu criei e cantei uma música que falava da tal aldeia global, que hoje nada mais é do que essa bolha ridícula e nada democrática!
Nas redes sociais, notícias falsas e boatos tomam proporções preocupantes, nocivas e sobretudo, quase autônomas; na mesma grandeza da falta de checagem dos fatos por todos que compartilham e curtem tais fakes. Black Mirror nunca foi tão real se pensarmos nos likes como parâmetros que graduam a autoestima, interesses e projetos pessoais e coletivos. Mas não vejo a tecnologia se resumindo à isso e aos problemas éticos que tais questões envolvem.
Leitores de retina e digital; bluetooth, nuvem e outras formas de transferência e armazenamento de dados, softwares para criação de games e vídeos, apps para criação e edição de fotos… Todos os signos podem ser revistos e questionados diariamente a cada tratamento de imagem, toda a memória pode ser coloca em xeque a cada bug do sistema; você pode não ser você ou ainda pior, ser clonado! A linguagem, as representações, a história, todas as ciências estão se transformando numa velocidade jamais vista se refletirmos à partir dos impactos da tecnologia nessas áreas.
Quando penso em tudo isso que vivo agora e que não existia quando nasci, sinto um misto de medo e desejo: meu olho brilha, mas meu estômago dói. Porque sou exatamente daquela geração que fez curso de datilografia aos 12 anos e de windows 3.11 aos 14 anos. Eu ouvi música no vinil, na fita K7, no CD, no DVD, no pen drive e agora no streaming. Tudo aconteceu mais rápido que meu pensamento crítico sobre cada mídia…
Por detrás da tecnologia há nosso livre arbítrio, nosso caráter, nossas intenções e vontades, há interesses e poder. A tecnologia serve como bode expiatório dos males humanos, aquela que leva a culpa das nossas falhas como sociedade. Ela serve ao capitalismo como serviria a qualquer outro sistema, afinal é produto de nossa criação e manipulação.
Na proposta de visualizar perspectivas no campo da tecnologia para minha outra metade da vida, me perco num sonho-pesadelo sem fim. Coloco frente a frente a beleza da arte digital e a censura de exposições de arte nos museus e pergunto: queremos ver o quê? A evolução dos transplantes de órgãos e os jovens mortos pela polícia diariamente e pergunto: queremos salvar quem? O dinheiro na mão ao comando da voz e a fome matando milhares e pergunto: quem somos afinal?
Em momentos mais calmos, venho aqui em meu site escrever crônicas como essa. Respiro e penso: ok, estou aqui e agora, nesse momento da história, fazendo o meu melhor com isso que está posto. Sim, o que está posto é resultado de bilhões de anos de evolução de nossa espécie até essa possibilidade de criação da internet e de um espaço assim, onde posso mostrar meu trabalho, manter registros para o futuro, conversar com as pessoas, ser lida. Não é pouca coisa. Há também o que celebrar.
Em momentos mais tensos, acompanho a revolução da inteligência artificial em todos os campos de produção humana, um caminho sem retorno. Com desconfiança, vejo novos textos surgindo, livros inteiros, capas e ilustrações de tirar o fôlego e não há como não pensar mais: será que isso foi produzido realmente pelas mãos humanas? Até onde a IA nos ajuda? O quanto a IA pode ser perniciosa? As questões não param por aí: somam-se a elas os problemas de direitos autorais e originalidade, as leis, concursos, prêmios... tudo sendo adaptado à uma nova realidade instaurada e acredite, às vezes sinto que de fato fui engolida pelo multiverso. Nunca a Filosofia foi tão necessária para questionar tudo o que está posto. Nunca o outro foi tão absolutamente imprescindível para confirmar a minha existência.
E nesse movimento ininterrupto e dialético entre dúvida e certeza, entre marola e mar revolto, resolvi publicar meu primeiro e-book na Amazon. Um livro que já estava esgotado, agora ganha novos leitores numa plataforma totalmente digital, em que as páginas são chamadas de kemps.
Por anos eu me convenci de que não me venderia ao monopólio e a uma escrita quase impalpável de um livro objeto abstrato. Eis que calei minha boca e decidi experimentar antes de julgar. Às vezes os preconceitos podem tomar conta de nós sem que percebamos. E depois de três meses do livro assim, no mundo online, afirmo categoricamente que está tudo muito bem. Ele se tornou acessível para muita gente, continua sendo lido e bem avaliado, cumprindo sua jornada de acompanhar quem dele precisa.
Então espero, no fundo do coração, que para a outra metade da vida, sejamos melhores. Melhores no amor, para que saibamos o que fazer com as criações atômicas bombásticas e outras invenções tecnológicas aterrorizantes; para que todos sejam de fato incluídos, ouvidos e respeitados; para que o direito a tudo o que a tecnologia proporciona seja garantido a todos. E por fim, também almejo tempo para viver o presente, sem ser atropelada pelos meus próprios posts.