Um texto para o Dia das Mães (que escrevem)
Celebro o tempo invisível, que se desdobra na tripla jornada, que se faz memorável no tecido do amor.
O tempo que não cabe no dia, no corpo da gente que pede descanso, nas fotos que não comportam os fragmentos dos anos, consecutivos e sem nenhum átimo de esquecimento de que sou mãe.
Celebro o tempo da espera, da paciência, do colo, das febres e manhãs de férias; o tempo atrasado do relógio para todos os compromissos, do crescer vingando cada minuto que dedico ao cuidado.
Mas o mesmo tempo que eu celebro é o tempo do capital, que me usa e que faz do meu amor seu lucro e mercadoria; esse tempo dominado pelo patriarcado e pelas relações de poder que transformam minha maternidade em custo, em barganha, em um modo de operar o meu silenciamento.
O tempo da mãe e dos filhos é um tempo acrônico, imensurável, que atravessa oceanos e limites, e talvez por saberem disso, aqueles que mandam nos sujeitam a todo tipo de prova, como se não bastasse aquelas às quais estamos sujeitos pelas ações da própria existência.
Amo meus filhos com todas as minhas incongruências, com afinco e diariamente, de forma incondicional e sem definição; mas não aceito que o dia das mães romantize isso.
Entre o consumismo proposto nesse dia e a celebração do amor e do tempo, existe um abismo em que somos jogadas no escuro e sem respostas, cotidianamente.
Lá me reconheço em outras mães e nessa força de nossas mãos dadas é que resiste uma escadinha longa para subirmos juntas e a tal luzinha, que atravessa as frestas: talvez dos nossos grandes corações ela ilumine a nós mesmas.
Desde que me tornei mãe, eu penso o dia das mães como um dia de luta coletiva de todas as mulheres que escolheram ou não (mas o são) terem seus filhos. Esse dia me lembra das infinitas horas que dedicamos e que ainda vamos dedicar a quem amamos, do útero como um órgão que serve primeiro à eles e depois à nós e da importância de tomarmos posse de nossas próprias vidas, corpos, decisões e desejos.
Escrever a maternidade, nesse contexto, é uma forma de resistir. Resistir aos homens que desejam nos apagar dos holofotes e nos manter apenas no círculo do cuidado e da casa. Resistir ao mercado que nos questiona sobre os hiatos de tempo em nossos currículos: aqueles espaços vazios que precisamos justificar nas entrevistas de emprego. Resistir na literatura que sempre se assentou sobre nosso invisível suporte para que homens e mais homens escrevessem suas histórias e as nossas, com apenas suas vozes.
Escrever a maternidade é também alento, acolhimento; uma forma de conversar, digerir incômodos; a potência de colocar luz onde ninguém quer enxergar. Escrever a maternidade é quebrar tabus, é trazer o diário viver para a beleza de uma história ou poesia, é ficcionalizar para estapear com luvas de pelica, ou não, as caras de pau que insistem em dizer que mãe é amor em grupos de whatsapp - os mesmos paus que não se movem um centímetro para executar seus papéis.
Que a escrita seja a nossa voz, os papéis os nossos testemunhos, canetas e lápis as nossas armas e o útero o nosso impulso vigoroso.
Viva o tempo da maturidade que nos ajuda a compreender que a jornada começa bem antes do positivo no exame. O tempo é presente, é nosso e de corresponsabilidade.