A importância do livro-objeto para as infâncias

Vou começar recapitulando um pouco a História!

Os sumérios, através da escrita cuneiforme, registraram a epopeia Gilgamesh em tabuletas de cerâmica, em aproximadamente 2800-2500 a.C, sendo esse considerado o primeiro registro que conhecemos em forma de livro. Depois deles, vieram outras diversas civilizações que materializaram seus escritos em papiros, pergaminhos e papel de arroz, por exemplo, com os registros e ilustrações realizados de forma manual, utilizando técnicas de pintura e caligrafia belíssimas. Com o surgimento da prensa por volta de 1400, o livro ganhou outra cara: passou a ser impresso e copiado em maiores tiragens, em formatos menos variados, com fontes cada vez mais legíveis, encadernados, em tamanhos práticos e com valores acessíveis. Mas hoje os livros alcançaram outro patamar: deixaram de ser físicos para serem armazenados na nuvem, os e-books.

Começo com uma pergunta para pensarmos a relação livro-infâncias:

“Um livro - para ser um livro - depende apenas de seu texto ou do código escrito, ou também de sua materialidade, sua forma física?”

Talvez para os adultos a materialidade do livro não seja uma premissa. Cada vez mais os e-books ganham força. São fáceis de levar num dispositivo, mais baratos, economizam espaço em nossos lares cada vez menores, podem ser lidos em qualquer lugar… mas a criança opera o mundo na concretude. Quanto menor a criança, menor é sua capacidade de pensar de forma abstrata. Portanto, sim, para as infâncias o livro físico é fundamental. Para as infâncias, o livro como um objeto que pode ser portado, lido, guardado, usado para brincar, entre tantas outras funções que a criança atribui à ele, é uma grande descoberta. 

Eu digo que um livro na mão de uma criança é como um portal mágico, capaz de transportá-la para outras realidades e mundos, onde ela aprende fruindo as palavras, as cores, as ilustrações, o cheiro, o virar as páginas, o peso nas mãos, a textura do papel, sua gramatura… O objeto ensina.
A criança é toda sensação: seus sentidos são aguçados com objetos interessantes. Sendo assim, um livro físico é uma condição sem a qual a criança apreende menos significados da leitura. 
Agora vamos à uma segunda pergunta:

"Um livro físico necessariamente é um livro-objeto? Isto é, um livro como objeto é o mesmo que um livro-objeto?"

Não. Dentre os livros impressos, há uma categoria de livros que se denomina livro-objeto. Um livro-objeto não se enquadra em padrões formais e são poucas editoras que se dedicam à sua comercialização. Na maior parte das vezes, esses livros são manufaturados em pequenas tiragens, às vezes são artesanais e não é difícil encontrar exemplares únicos. Esse tipo de livro comporta materialidade ímpar, em que conteúdo e forma “conversam” e se implicam em modificar a maneira com que os leitores fazem a fruição.

O livro-objeto é pensado para que a leitura se amplie à partir de sua materialidade, onde as estruturas, acabamento, papel, formato e como será manuseado é previamente discutido. Ele pode ser um livro-sanfona, um livro com janelas e portas, com sobrecapa e pôster, com gravuras extras encartadas, com envelopes dentro, um livro de encadernação manual, com recortes e abas para descobrir outros textos, há múltiplas possibilidades!
Isso significa que um livro-objeto potencializa o livro como um objeto, porque é um livro que possui materialidade própria e planejada em cada detalhe para expandir a leitura.

E então, uma terceira pergunta:

"Podemos brincar com um livro-objeto?"

Sim, podemos. Não que essa seja a intenção principal de um livro-objeto, mas ele permite o brincar, porque o brincar é forma natural da criança interagir e apreender o mundo e se o livro foi escrito para as infâncias, a criança vai ler e brincar, brincar e ler, ao mesmo tempo.
A maravilha é que nós, adultos, ganhamos muito com isso. Quando lemos um livro-objeto, rememoramos a infância. É como se déssemos a chance da nossa criança brincar de novo, se surpreender, descobrir prazer em outra forma de fruir. Portanto, se você é mãe, pai, avô, professor, tio, tia, se possui uma criança por perto: aproveite para se deliciar com um livro-objeto por acaso esquecido ao seu lado.

Para terminar a coluna, deixo algumas indicações de livros-objeto que as crianças vão amar e que também vão te conquistar!

A carta de Hugo, de Tom Percival pela editora Salamandra, é uma lindeza! O livro traz correspondências entre amigos que moram longe. Cheio de cartinhas que podem ser abertas, é um convite à visitar os velhos tempos em que enviávamos por escrito nosso amor e nossa saudade. Recomendado para a fase de alfabetização, o livro aborda os gêneros carta e bilhete.

A casa que voa, de Ana Luiza Gentil pela Pincéu Editora, tem uma narrativa leve e brincante, conta com uma casinha de dobradura para montar e que fica presa ao livro por uma linha, como se estivesse voando. Leia essa história para saber da beleza que é! Recomendado para crianças alfabetizadas, o livro é um convite a pensar sobre as diferenças.

E para as crianças pequeninas até 6 anos, indico Mundo Escondido — Floresta (ou a versão Bosque), de Stephanie Fizer Coleman e Libby Walden. Esse livro-objeto possui ricas ilustrações e abas para abrir e fechar, onde a criança associa imagens à palavras, com breves descrições sobre os seres que habitam as florestas, tais como plantas e animais, além de nomear habitats.